Mas minha alegria de estar cursando Psicologia durou pouco porque logo o Gerente da agência, senhor Policarpo, ficou sabendo que eu pulava o balcão. Chamou-me na sua sala e me olhando firme, sentenciou: ao Banco não interessa que nenhum funcionário estude. O senhor está proibido de fazer horário não autorizado.
Em paralelo, buscando alternativas, tentei transferência para o CPD do Banco do Brasil, no bairro Anchieta, em Porto Alegre. E para me qualificar, fiz curso na PUC-RS de análise e programação Fortran e Cobol. Curso este que, anos mais tarde, evoluiu para Ciências da Computação.
Eu já estava providenciando a interrupção da matrícula quando chegou a notícia de que o Sr. Policarpo foi transferido para Gramado e, em seu lugar, viria um tal de Luiz Carlos Guimarães. Não perdi tempo e no primeiro dia em que Guimarães assumiu adentrei em sua sala e abri o jogo, lembrando que logo ele teria acesso a sua fé de ofício (prontuário), saberia de sua história e por isto queria que soubesse que a única coisa que almejava era poder estudar. Guimarães prometeu analisar o assunto.
Passaram-se alguns dias de silêncio e eu até já pensava que não havia conseguido algo útil, quando fui chamado pelo Sr. Guimarães que me propôs bater 40 fichas por hora de trabalho (os atuais borderôs de cobrança, que são emitidos por computador e que só existem no Brasil), descontadas eventuais fichas com erros. Eram cinco vias em papel carbono, que datilografava, espaço a espaço, em máquinas Remington elétricas. Aceito o desafio, rapidamente desenvolvi habilidades para datilografar as 240 fichas. Às vezes, sob demanda, 320 o que me rendiam mais 2 horas extras.
Só que este modelo de trabalho, por tarefa, logo criou um padrão e outros colegas foram pleiteando. Em poucos meses todas as fichas eram batidas por tarefa. E como havia centenas de fábricas e fabriquetas do ramo de calçados que vinham se estruturando (Azaléia, Strassburger, Beira Rio, Reichert, F.Xavier Kunst etc), o volume diário era significativo.
Vivia-se o apogeu da repressão sobre contestadores do modelo de governo em vigor, mas na realidade, exceto quando interagi, no Rio de Janeiro com os movimentos de rua, na Cinelândia, em 1968, no dia-a-dia não se percebia nada disto. Isto porque as notícias eram de lado a lado: terroristas assaltando e matando e forças do governo os reprimindo. Era uma guerra, ainda que a moda fosse chamá-la de guerrilha!
Mantivemos as viagens anuais que faziam parte de um plano feito por Jussara e eu para levarmos os filhos a conhecer todo o Brasil. Inicialmente em ônibus e depois em carros, Fusca e Passat. Finalmente em avião, na última vivência da categoria, que incluiu Manaus.
A partir daí, as crianças passavam o ano às voltas com as revistas quatro rodas, estruturando programas, enquanto Jussara e eu ficávamos fazendo as contas/economia.
O primeiro experimento, com carro, aconteceu para Foz do Iguaçu/Puerto Stroessner. Hoje Ciudad del Este, com barraca presenteada pela Colega de estágio na Melanie Klein, Clarice, cujo irmão, que faleceu em acidente de avião, havia construído a dita. Naqueles anos barracas estruturadas só as contrabandeadas, visto que importações eram proibidas e no Brasil não as produziam.
A partir do trajeto para Recife, saindo de Porto Alegre dia 29 de dezembro e entrando o ano novo na praia de Boa Viagem, incorporamos a companhia de Nédio e Rosana, com seu Chevette. Foram anos de muito aprendizado através do que cada um via e escutava. Assim, rodamos de Porto Alegre para Recife, Belém, São Luiz, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Aracaju, Maceió, Salvador, Porto Seguro, Vitória, Cuiabá e todo o litoral do Rio de Janeiro e litoral norte de São Paulo.
Esse período perdurou cerca de 8 anos , com forte repercussão no meu desempenho profissional futuro. Além de um especial desfrute de amizade entre nossos filhos e o casal Nédio-Rosane, que serviam de identificação para ambos. Especialmente para Sérgio-Nédio.
Mas no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970 ainda nada se percebia no dia-a-dia no RS, em termos de repressão e ameaças: Jussara embarcava no ônibus comum para a cidade de Sapiranga onde retomou o segundo grau em Escola Normal, eu seguia também em ônibus comum, de Hamburgo Velho (bairro de Novo Hamburgo) para Porto Alegre e dali, em outro, para a PUC. Na volta, a colega Argia Hubner, quase sempre, me dava carona até o centro de Porto Alegre, o que significava mais de uma hora de economia no trajeto.
E os filhos, Sérgio e Márcia, então com 7 e 6 anos, iam sozinhos, a pé, para a Escola Estadual Antonio Vieira e depois para a Escola Polivalente na mesma região, distantes cerca de 3 km de casa. Andava-se normalmente pelas ruas, as crianças iam e voltavam a noite do clube Aliança, sem serem molestados por qualquer motivo, movimento ou autoridade.
Na PUC eu já recebia influência de dialéticas propostas por alguns professores. Especialmente os Professores Irmão Danilo (nem lembro bem o título da matéria) por suas correlações a respeito da evolução dos pensamentos filosóficos e científicos ao longo da história; José Finn (sociologia) por sua habilidade em conectar teorias com o cotidiano; Prof. Capaverde por seus esforços em colocar a psicologia do trabalho em um lugar (empresa) que quase ninguém sabia como e quando; Prof. José Olinto por suas aulas práticas de Dinâmica de Grupo e Walmor Piccinini pelos alertas que passava sobre a terceira idade.
Em 1971 a agência do Banco do Brasil de Novo Hamburgo mudou de local e alguns processos foram alterados. Sr. Guimarães, sempre ousado para a época, me chamou e ofereceu uma tarefa que consistia em visitar empresários para conseguir adeptos para o cheque especial do Banco do Brasil, que foi pioneiro no segmento.
Com metas diárias a tarefa foi fácil, mas logo um inspetor ficou sabendo que eu ia para a rua com papéis timbrados do Banco, o que foi considerado por ele como falta gravíssima. Resultado: outra advertência. No caso, felizmente, em nível verbal e regional.
Então Guimarães me disse: quero abrir a agência às 10h com todos os lançamentos de todas as fichas de conta corrente lançadas e conferidas. Havia uma média diária de 800 lançamentos feitos em uma máquina eletromecânica National, no começo da manhã e que – claro – nunca estavam totalmente prontos às 10h. Era uma versão moderna do que usava no Banco da Lavoura, dez anos antes.
E em mais uma experiência metafísica, Sr. Guimarães deixou cair um molho de chaves ao lado da minha cadeira, o que significaria uma senha de acesso, pois nessa época não havia guardas noturnos no prédio do Banco. Eu então chegava de Porto Alegre por volta das 20h30, ou mais, entrava sozinho na Agência da Praça Júlio de Castilhos e ganhava o expediente, na tarefa que realizava em torno de 3 horas: fazer 720 lançamentos, descontados erros. E a cada 120 lançamentos, a mais, sob demanda, recebia uma hora extra!
Saía da agência entre 23h e 1h do dia seguinte. Às vezes mais, por erros nos lançamentos. E subia à pé a Rua Joaquim Nabuco (grande subida, que os gaúchos chamam de lomba) até nossa casa. Não havia mais ônibus nem eu tinha dinheiro para táxi.
E assim foi, até entrarem em operação os computadores, quando esta tarefa terminou.
Já no começo de 1972 fiquei sabendo de um tal de estágio de psicopatologia na divisão Melanie Klein do Hospital Psiquiátrico Estadual, São Pedro, em Porto Alegre.
Tratava-se da unidade de residência médica da UFRGS, para certificação de médicos psiquiatras, e se iniciavam algumas experiências com interação com psicólogos e enfermeiros, dentro da especialização em saúde mental.
Os alunos da psicologia, em geral, temiam o processo seletivo porque, segundo eles, a chefe do serviço de psicologia, Sueli Brunstein, seria muito rígida. Um terror, segundo voz corrente!
O estágio era diferenciado e fui aprovado junto com as colegas, Maria Luiza Santos (Lula), Magda Herbert, Jussara Severo, Clarice e Ana Cristina. Sueli e alguns médicos nos supervisionavam tecnicamente e ela viria a ser uma das psicólogas que mais influenciaram minha formação e perfil profissional.
Em paralelo, formamos na faculdade um grupo que denominávamos de o Clube do Bolinha, por estar composto por todos os homens da classe: Nédio Seminotti, José Dirceu Cauduro, Cláudio Arnecke, Eu e… a Luluzinha: Lula. Havia um Canadense, Guy, que não frequentava todas as cadeiras, por isto não se incorporava a este grupo.
Foi um período muito produtivo, onde se discutiam os conteúdos das classes e as experiências que cada um mantinha em estágios. Todos os integrantes deste grupo dependiam de trabalho remunerado para se sustentar e pagar a faculdade, ao contrário da maioria das colegas da classe. Cláudio vendia calendários, e para tanto usava um fusca através do qual muitas vezes ganhei carona para chegar mais rápido ao Banco do Brasil, em Novo Hamburgo.
E dois destaques históricos: Lula que viria a se tornar minha amiga predileta e que, mais adiante, incluiria seu marido, Flávio Oliveira e Nédio, por longas parcerias em experiências transculturais e, recentemente, retomando teses e modelos para práticas de psicologia.
Ainda da convivência na Divisão Melanie Klein, recebi muita influência dos psiquiatras Sérgio Machado, professor da UFRGS e mais tarde Presidente do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, por sua disponibilidade para ensinar, com afeto e disciplina. De Rogério Aguiar e do Diretor, David Zimmermann, por suas capacidades para manter a identidade da Instituição. Tudo isto teria forte influência anos mais tarde, quando decidi pela especialidade organizacional.
O estágio, extracurricular, valia como aprendizado e status, mas o modelo era muito profissional. Rígido para os padrões de hoje: entrávamos às 8h ficávamos até às 12h, durante o ano letivo. Intercalando atividades junto aos pacientes (que chamavam de socioterapia porque psicólogo não podia praticar psicoterapia) nos pátios, entre centenas de psicóticos, misturados com oligofrênicos, lesionados cerebrais etc.. Porém a partir de determinado número de faltas o estagiário seria desligado. Mas tudo com supervisão de qualidade, estudos (seminários) e reuniões clínicas.
Pelo que acompanho atualmente, inclusive no hospital onde trato de um câncer no pâncreas, esse processo de estágio esteve muitos graus acima do que usualmente se pratica hoje, na área de saúde.
Mas a pressão emocional, na convivência com os pacientes em suas peregrinações pelos pátios do hospital me levou para a primeira experiência psicoterápica, com Juarez Guedes Cruz.
E no Banco do Brasil… terminaram as atividades por tarefas. Mas aí eu já havia conquistado status de um quase psicólogo – raro na época – e me passaram uma tarefa de separar a noite (por cores) o conjunto de borderôs que chegavam às centenas, diariamente, para cobrança perante as indústrias locais. Nesta tarefa, muitas vezes – secretamente, claro – meus filhos iam me encontrar no Banco, vindos dos treinamentos no Clube Aliança e me ajudavam, as dividindo comigo. Como minha vida havia melhorado e pude comprar um fusca velho, depois da tarefa nós os 3 subíamos a lomba da Rua Joaquim Nabuco para casa, felizes.
Atenção: Por primeira vez este trabalho infantil, clandestino, é registrado publicamente.
Já na Divisão Melanie Klein, dentre esses estagiários alguns eram selecionados para permanecer mais um ano, então no estágio curricular, de Clínica, formal. Fui selecionado e embora a faculdade exigisse apenas 200 horas de estágio nessa área (mais 200 na escolar e outro tanto na empresarial), na Divisão Melanie Klein a carga compreendia um ano de estágio, de março a dezembro. Era pegar ou largar.
Por razões econômicas, exaustão física e desgaste familiar, tive de declinar da oportunidade. Mas as relações ali estabelecidas me permitiram um convite para estagiar – também ao longo de um ano – na Unidade de Saúde Estadual na cidade de Novo Hamburgo. Tudo muito light em relação à experiência na Melanie onde, frequentemente, só me permitia duas a três horas de sono: o estágio na Unidade de Novo Hamburgo era ao lado do Banco do Brasil e perto de casa!
Ali fui conviver com outro profissional que produziria uma forte influência em minha formação e perfil: O médico psiquiatra Claudio Maria da Silva Osório, depois professor titular da UFRGS.
Especialmente por sua disponibilidade para romper paradigmas. Enquanto – digamos – 90% dos profissionais ficavam protegidos em consultórios, íamos os dois encontrar pacientes em favelas (hoje comunidades) para orientar familiares e acompanhar o uso das medicações in loco. Mas também e – principalmente – por sua habilidade, às vezes um tanto sádica, de correlacionar os textos que estudávamos com as condutas cotidianas das pessoas. Inclusive nossas.
A respeito desses estágios, cabe reforçar as duas experiências, na Divisão Mellanie Klein e na Unidade de Saúde em Novo Hamburgo. Na Mellanie pelo modelo e conteúdos aportados por Suely Brunstein e na Unidade de Novo Hamburgo pela disponibilidade e coragem para experimentar de Cláudio Maria da Silva Osório.
Ambos foram parte de estudos – pioneiros – e aplicação de técnicas, no Brasil, relacionadas ao que se chamava atendimento familiar, fora da instituição e do consultório.
Isto é, nos domicílios das famílias e locais de trabalhos dos pacientes e familiares, integrando equipes técnicas formadas por profissionais de diferentes especialidades. Foram longos períodos de exercícios de negociação para desenvolver habilidade e alcançar o melhor ponto possível, nestas abordagens.
Estes exercícios, de correlacionar, também viriam a ter fortíssima influência no meu perfil profissional, depois retomados na convivência com Jorge Chapiro. Tudo revisitado depois do segundo processo analítico com Maria Mello.
Essa experiência, de praticar a profissão no campo, foi decisiva na atuação dentro da Psicologia Organizacional, em relação ao padrão usual, ainda hoje praticado, para profissionais da área.
Embora muito bem aceito entre os psicanalistas, cujo grupo predominava no meio clínico da elite no RS, percebi que até completar a formação clínica e me viabilizar economicamente já estaria me aposentando no Banco do Brasil. Isto porque, nesses anos, eu já portava Carteira Profissional com quase 20 anos de registro.
Ao contrário da voz e postura corrente, a formação de um psicólogo, como de um médico especialista, não se completa com menos de 5 ou mais anos depois de formado. Mais ainda se estivermos tratando de clínica. Fora o custo consequente.
Em clínica é necessário intenso trabalho junto a diferentes demandas e patologias, o que exige forte investimento em movimentações físicas, supervisão e terapia/análise.
Em organizacional, dependendo da trajetória de cada formando, os tempos que se demandava e demanda são diferentes. No meu caso o caminho poderia ser significativamente encurtado, dada minha vivência de quase vinte anos em Empresas e Instituições de porte. Com algum investimento em estudos econômicos-mercadológicos-sociais e supervisão, traçaria um percurso mais rápido. Então fui reduzindo o investimento emocional rumo a área clínica e procurando alternativas na área Organizacional.
Chegamos então a outubro de 1973 e um anúncio no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre: Seminário de Desenvolvimento Organizacional sob a tecnologia 3-D, tecnologia da Managerial Effectiveness, conduzido pelo Prof. Jorge Chapiro. Pessoa esta que iria produzir uma das três maiores transformações em minha vida, pessoal e profissional. Ele russo, naturalizado argentino e residente em Buenos Aires, casado com a alemã, psicóloga, Edith Deutsch de Chapiro.
O investimento no seminário consumiria o próximo 13º salário e a gratificação de janeiro. Por este motivo foi necessário uma reunião familiar para decidir a respeito.
Durante o evento se estabeleceram vários embates entre eu e Jorge, a respeito de conceitos, autores e – principalmente – aplicabilidades dos conceitos. Terminado o evento, pensei: com tanta briga, acabou por aqui. O russo nem vai querer me ver novamente!
Mas, ao contrário, 3 dias depois foi chamado na Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do RS para um encontro com Jorge Chapiro. Ele apreciara minha segurança nos embates teóricos e nas correlações com o cotidiano, por isso me convidou para outro seminário, o Seminário de Eficácia Gerencial 3-D.
Fui obrigado a declinar, por absoluta falta de dinheiro, pois o preço da inscrição era de US$ 350 (lembrem-se de que existe inflação em US$…). Sabedor do fato, Jorge ordenou que me dessem uma bolsa, o que foi uma solução parcial: de onde extrair o dinheiro para me hospedar no Hotel Samuara, em Caxias do Sul, onde aconteceria o evento durante seis dias?
A solução, em surdina, foi levar barraca, acampar no mato e pagar somente as refeições. Também porque depois dos trabalhos em grupo ainda dava um pulo a Novo Hamburgo no meu fusca, há cerca de 100 km, para cumprir minha tarefa no Banco do Brasil.
Nesse período, chegou minha transferência para o CPD do Banco do Brasil, mas abri mão por já estar preparando minha saída.
Ainda em 1973 minha irmã Enilda, com nosso pai diagnosticado com mal de Parkinson, trouxe ele e a mãe, com mais dois irmãos adolescentes, para morar perto dela, na cidade de Campinas. Na época ela informou a família que a casa oferecida para eles seria dada em comodato, o que depois não se confirmou.
Finalmente, me graduei em julho de 1974, portando mais de 1.200 horas em estágios e uma dezena de cursos de extensão, devidamente certificados por Universidades e Entidades renomadas (carga horária e avaliação final segundo normas legais).
Eu nunca gostei de cerimônias deste tipo, mas… informaram-me que era obrigatória, para ser graduado. Em vista disto, a solenidade, realizada na reitoria da PUC-RS, contou com a presença de Jussara, Sérgio, Márcia e Nédio.
Logo após a graduação em psicologia, fui cedido pelo Banco do Brasil S/A para a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do RGS, onde deveria atuar no convênio com a Managerial Effectiveness do Canadá para introduzir os Seminários 3-D. Projeto que não avançou como previsto, retornando ao Banco do Brasil onde, de imediato, pedi licença não remunerada.
E já em 1975 conquistei meu primeiro título de Pós-Graduação (latu sensu): Dinâmica de Grupo, pela SPRGS, estruturado pelo SEDIGREH. Nesse mesmo ano fui convidado por Jorge Chapiro, o Jorge, a integrar a Chapiro Internacional, Consultores em Desenvolvimento Organizacional Ltda, empresa que acabara de fundar com Francisco Antonio Pisa, o Pisa, na cidade de São Paulo. Mas devido a residência e meu perfil, o domicílio fiscal foi definido como Porto Alegre, RS.
No segundo semestre deste ano fui iniciado no treinamento para instrutor do Seminário 3-D, Seminário de Eficácia Gerencial, popularmente conhecido como SEG 3-D. Seminários esses, intensivos, centrados em modelos de liderança situacional e definição de papéis a partir de uma ótica sistêmica e não a descrição do cargo que era a prática mais comum. Minha habilitação foi instrumentada e supervisionada por Jorge e Edith, de quem me tornei grande admirador, por sua delicadeza no trato interpessoal e aguçadas habilidades intelectuais. Mas o seminário era tudo muito focado nas pessoas, como solução de todos os problemas das Organizações. Era a tônica na época e ainda predomina em várias correntes da psicologia.
Até 1977 os SEGs-3D estiveram divididos entre os Hotéis Samuara, em Caxias do Sul, e Pavani, em Serra Negra. Depois estendido para Bucsky em Nova Friburgo e substituído Pavani por Majestic, em Águas de Lindóia. Para os seminários eu viajava no sábado e voltava na sexta.
O SEG 3-D se iniciava na tarde de um domingo e terminava após o almoço de sexta feira, em tempo integral. Pisa se encarregava da área comercial mas também estava em treinamento como Instrutor. Com a ajuda de Jorge, Pisa conseguiu que deles participassem CEOs de Empresas como AEG, CESP, CTC, TELERJ, FRAS-LEE, ISABELA, MARCOPOLO, NORTON, TELERJ, TELMA, TELEMAT, TELAMAZON, entre dezenas de outras Empresas.; Vice Presidentes, Diretores e Gerentes destes e de Grupos Empresariais, como AEG, CAEMI, ELETROBRÁS, ITAUSA, PETROBRÁS, TELEBRÁS, dentre outros.
Para as demais atividades, eu viajava desde Novo Hamburgo, nas segundas feiras, via Varig, para São Paulo. E voltava sexta.
Para quem, há menos de um ano, viajava em ônibus comum, comia sanduíche preparado na véspera, que passou a se hospedar em Hotéis como Hilton São Paulo e fazer refeições no La Casserole, foi uma transformação que abalou toda minha escala de valores. Minha e de minha família.
Por influência então dos primos e dos tios (adolescentes) que moravam em Campinas, SP, Sérgio, Márcia, Jussara e – em particular Sérgio – pleitearam a transferência do RS para o Estado de São Paulo. Assim, em fevereiro de 1977 nos mudados para Campinas, SP, passando a me dedicar – exclusivamente – a Chapiro Internacional, na filial de São Paulo. Ali alcancei os cargos de Diretor Administrativo-Financeiro e, posteriormente, Diretor Técnico.
Iniciou-se então uma nova fase familiar. Fomos morar no bairro Cidade Universitária, próximo a UNICAMP. Os filhos passaram a estudar, em outro contexto, em escolas particulares. E Jussara aproximou-se da cunhada, Enilda, iniciando uma nova fase de postura doméstica e social.
Em uma nova etapa de absorção de tecnologias, todo o sistema de som na nova casa foi centralizado e, dentre os comandos remotos (via fio) estava o abajur do quarto do casal, através do qual se comandava – com mãos ou pés – volume, troca de receiver para música via k7 ou toda discos de vinil. Exceto no quarto de Sérgio, que mantinha equipamentos próprios, cada peça tinha seus alto falantes e opções de comando para a central.
Em novembro desse ano, fui a Amsterdã para a convenção anual dos licenciatários 3-D. Foi também minha primeira vivência no velho continente. Aproveitei e transitei por Barcelona, Madrid e Lisboa. Como meu domínio da língua inglesa é muito limitado, contratei uma intérprete credenciada pela embaixada brasileira, que me assessorou nas questões comerciais que envolviam a Chapiro e a Managerial Effectiveness. Pagávamos 22% de royalties sobre o faturamento bruto, em US$, e ainda produzíamos o (caríssimo) material. Impensável atualmente!
Já habilitado como Instrutor do SEG, e bem aceito pelos clientes, iniciei o treinamento para conduzir os módulos que se sucediam ao SEG-3D. O mais oferecido tinha a sigla em espanhol de LRE-Laboratório de Rol de Equipo.
Tendo como pré-requisito a participação de todos os integrantes no SEG, formava-se um grupo de Presidentes e Diretores ou de cada Diretor com seus subordinados diretos, de determinada Empresa ao longo de dois dias, em um Hotel remoto – e de luxo – para discutir questões estratégicas.
Durante todo o tempo o Consultor ficava ao largo fazendo anotações a respeito do comportamento de cada um e, ao final, dava um feedback individual, começando pelo integrante de maior hierarquia no grupo.
Jorge tinha carisma, conhecimento a respeito de estruturas, sistemas decisórios e narcisismo suficiente para assumir a tarefa. Logo nas primeiras experiências percebi que eu apenas conseguiria o conhecimento… Mas segui em frente, sem nunca ter tentado efetivar tal proeza!
Em paralelo, desde 1973 continuava a acumular outros certificados, através de cursos de extensão em Universidades de Instituições consagradas, nacional e internacionalmente. Incluindo teses inovadoras como Técnicas de Intervenção em Organizações Complexas (FCM), Planejamento Estratégico, Reengenharia, dentre outros.
Destaque-se aqui Cibernética Aplicada às Organizações, com a presença do próprio criador do modelo de cinco sistemas, professor Stafford Beer e Jorge Chapiro, integrador.
Nessa época, o livro de Stafford, Brain Of The Firm foi gentilmente traduzido por Jorge e Edith Chapiro para o espanhol e assim permitir que eu tivesse acesso a teses sistêmicas então revolucionárias (Brain Of The Firm – Beer, S – Peguin Alan Lane, London, 1972) . Estes conceitos me permitiram desenvolver, década depois, modelos de diagnósticos organizacionais que – rapidamente – ofereçam análises de origens de disfunções, se de controles, de processos produtivos ou de comportamento.
Ainda nesse período, fui membro de comissões organizadoras, apresentei trabalhos e dirigi congressos nacionais e internacionais, incluindo conferências magnas. Alguns com conteúdos pioneiros e ainda hoje polêmicos. Com assessoria de imprensa contratada, publiquei artigos na revista Exame, nos jornais Gazeta Mercantil, o Estado de São Paulo e mais adiante no Jornal Valor Econômico. Além de várias entrevistas e artigos em jornais regionais.
E um novo desafio produzindo nova experiência: a pedido do então Presidente da Norton, Paulo Povedano, passei a ajudar os executivos que vinham dos USA a se aclimatarem na cultura brasileira/sul americana. Décadas depois a atividade foi consolidada sob o nome de Coaching!
Quais marcas mais significativas foram consolidadas no ciclo 1970-1980?
♦ Que o que se diz ser do governo, na verdade é nosso.
♦ Que aprendi a diferença entre quem pratica a profissão de psicólogo dentro de um consultório, ou sala de gerência, e quem vai a campo. Vivenciando o ambiente e os sentimentos das partes que se influenciam e transformam.
♦ Que a vivência em uma fábrica, loja, na direção de um caminhão ou passando horas diante de um teclado, em relação as macro-decisões. Dentre outras.
♦ Que, dadas as características estruturadas ao longo de minha vida, dificilmente conseguiria transmitir percepções de forma análoga ao que Jorge conseguia.
♦ Que se pode incorporar comportamentos diferentes diante de pessoas bem mais eruditas, requintadas socialmente do que eu.
♦ Que era possível vender serviços para alto nível, visto que minha experiência só estava relacionada a mercadorias. Os bancos eram vistos como uma necessidade.
♦ Que a assessoria individual era uma oportunidade para se destravarem programas de Desenvolvimento Organizacional, mas que o preconceito de então dificultava: um executivo ficar em uma sala fechada, com um psicólogo, não era bom sinal. Iniciava-se aí uma atividade de coaching.
♦ Que D.O., como era conhecido, tendia a não se consolidar porque se focava nas pessoas e não no equilíbrio empresa-mercado. Que é quem sustenta as Organizações, mesmo as chamadas de sem fins lucrativos.
♦ Que, após interação com S.Beer, J. Chapiro, as tese de R.Winer e H.Maturana, o melhor era retirar de meu vocabulário a palavra certeza. Foi o que fiz, substituindo-a por convicção.
♦ Que a palavra verdade era uma expressão que representa determinado momento de nossa capacidade perceptiva e de aceitação de uma certa cultura. Retirei-a de meu vocabulário, também, substituindo-a por sobre o que posso perceber hoje.